sexta-feira, 23 de abril de 2010

Kimono


:: Kimono



Kimono em japonês significa literalmente "coisa de vestir". Fora do Japão essa expressão designa genericamente uma variada gama de peças e que no conjunto formam um visual considerado típico ou tradicional japonês, mas também é sinônimo da peça principal. No Japão, a peça principal que nós chamamos de kimono é chamada de kosode.

O atual significado da palavra de kimono tem origem no século XVI, quando navegantes ocidentais - principalmente portugueses, espanhóis e holandeses - chegaram ao arquipélago. Nos primeiros contatos com os japoneses, sem conhecerem os idiomas de uns e de outros, os ocidentais perguntavam com mímicas e gestos qual era o nome das roupas de seda que viam os japoneses usarem, e os japoneses respondiam kimono. Era como alguém perguntando a um japonês: "Como se chama sua roupa?" E o japonês respondia: "Roupa". Foi assim que a palavra kimono tornou-se designação moderna do vestuário tradicional japonês.

No Japão o vestuário divide-se em duas grandes categorias: wafuku (vestimenta japonesa ou de estilo japonês) e yofuku (vestimenta ocidental ou de estilo ocidental).

A história do vestuário japonês é em grande parte a história da evolução do kosode, e de como os japoneses adaptaram a seus gostos e necessidades estilos e a produção de tecidos vindos do exterior.

NA ANTIGÜIDADE

Não se sabe ao certo como eram as roupas usadas na Pré-história japonesa (Era Jomon - 10 mil a.C. a 300 a.C.), mas pesquisas arqueológicas indicam que provavelmente as pessoas usavam túnicas de pele ou de palha. Na Era Yayoi (300 a.C. a 300 d.C.) a sericultura e técnicas têxteis chegaram ao Japão através da China e da Coréia.



O Príncipe Shotoku e dois de seu filhos: penteados, túnicas e acessórios de forte inspiração chinesa na corte imperial japonesa.

Agência da Família Imperial, Tóquio, Japão

Dos séculos IV a IX, a cultura e a corte imperial no Japão receberam forte influência da China. Influenciado pela recém-importada religião budista e pelo sistema de governo da corte Sui chinesa, o regente japonês Príncipe Shotoku (574-622) adotou regras de vestuário estilo chinês na corte japonesa. Posteriormente, com o advento do Código Taiho (701) e do Código Yoro (718, eficaz só a partir de 757), as roupas na corte mudaram seguindo o sistema usado na corte Tang chinesa, e foram divididas em roupas cerimoniais, roupas de corte, de roupas de trabalho. Foi nesse período que passou-se a usar no Japão os primeiros kimonos com a característica gola em "V", ainda similares aos usados na China.


GUEIXA


O recente sucesso do romance best seller "Memórias de uma Gueixa" de Arthur Golden e do filme baseado no livro causou muitos pedidos em nosso site por informações a respeito do assunto. Cristiane A. Sato, consultora do CULTURA JAPONESA, apresenta a seguir uma introdução a um dos aspectos mais fascinantes da sociedade japonesa: a gueixa.

Nota Sobre a Grafia - no texto a seguir, a regra será o uso da grafia em português GUEIXA. Mas eventualmente, em alguns nomes compostos, adotamos a grafia do método Hepburn, internacionalmente usado na romanização de palavras em japonês: GEISHA. Independentemente da grafia, ressaltamos aos leitores que a pronúncia correta em ambos os casos é "gueixa".

GUEIXA, MUSA DO MUNDO FLUTUANTE
Muito se fala e se discute, principalmente no ocidente, sobre a figura e o papel da gueixa na sociedade japonesa. Na prática, poucos ocidentais, e mesmo japoneses, têm efetivamente contato com uma gueixa. Em público, elas só aparecem em poucas ocasiões, como no Jidai Matsuri (Festival das Eras), e na temporada de danças tradicionais Kamogawa Odori (Danças do Rio Kamo) que ocorrem em outubro, em Kyoto. Fora tais ocasiões, alguns sortudos turistas conseguem vê-las andando pelas ruas, nas raras ocasiões em que elas saem para ter aulas de dança, shamisen (cítara de três cordas tradicional) ou ikebana (arranjo floral), ou a caminho de um restaurante para entreter algum empresário ansioso em impressionar seus convidados. Ser servido ou entretido por uma gueixa, mesmo entre os japoneses, é privilégio de poucos.

O fascínio pelo assunto no ocidente começou através de artigos de jornais e da arte, do teatro e da literatura a partir da segunda metade do século XIX, quando o Japão passou a abrir seus portos às potências ocidentais, terminando um isolamento comercial e cultural que durou mais de 200 anos. As gravuras ukiyo-e (retratos do mundo flutante) tornaram-se bastante populares e apreciadas na Europa, em especial por artistas plásticos na França. Vendidas em folhas avulsas ou até encadernadas na forma de um livro sanfonado, tais gravuras freqüentemente retratavam gueixas, havendo até artistas que se especializaram em desenhá-las, como Kiyonaga e Utamaro, formando um "estilo" dentro do ukiyo-e chamado de bijin-ga (desenho de mulher bela). Relatos de viajantes e correspondentes publicados em jornais de um Japão tão diferente e exótico eram lidos com grande curiosidade.

Em 1904, o compositor italiano Giacomo Puccini criou a ópera "Madame Butterfly". Inspirada num caso verídico, a ópera conta a trágica história de uma gueixa, Cho-cho ("borboleta" em japonês), que se apaixona por Pinkerton, oficial americano em missão no Japão. Acreditando ser esposa de Pinkerton, ela tem um filho mestiço e passa a sofrer o preconceito dos japoneses. Ele é chamado de volta aos Estados Unidos, e acreditando nos democráticos valores com que seu amado descrevia o ocidente, Cho-cho aguarda seu regresso ao Japão na esperança de ir viver com ele e seu filho na América. Mas Pinkerton volta casado com uma americana e deixa Cho-cho, que acaba se matando. Até hoje extremamente popular, "Madame Butterfly" não apenas tornou Cho-cho a gueixa ficcional mais famosa do mundo, como também serviu de inspiração para filmes e outra peça de sucesso 80 anos depois: o musical "Miss Saigon", de Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg.

A ficção e diferenças culturais fizeram com que a idéia que o ocidente tem das gueixas seja distorcida, pouco correspondendo com a realidade. Muitos, principalmente os incultos, acham que uma gueixa nada mais é do que uma exótica prostituta de luxo - algo que choca os japoneses, que as consideram refinadas guardiãs das artes tradicionais. Para os japoneses, achar ou tratar uma gueixa como se ela fosse uma mera garota de programa é uma atitude que revela não só falta de critério, mas de cultura e "berço" de quem assim age. Na sociedade japonesa, a gueixa é objeto de admiração e respeito. Elas dão status aos lugares que vão e às pessoas com quem se relacionam - um status que é mais ligado à tradição que à moda.

Entender o que é, ou o que faz uma gueixa ser uma gueixa, é difícil para os que pouco conhecem o Japão, a história, a cultura e a sociedade do país. A existência da gueixa só pode ser compreendida no contexto japonês, assim como ela é produto do que o Japão foi e é.

PROSTITUIÇÃO LEGALIZADA
No ocidente, considera-se prostituta a mulher que mantém relações sexuais mediante pagamento. Basta a mulher fazer isso uma só vez, que ela acaba sendo considerada prostituta sempre. No Japão, é necessário saber se a mulher vive disso, ou seja, para ser considerada prostituta é preciso que ela faça das relações sexuais mediante remuneração sua principal fonte de renda. Se uma mulher tem amantes mas obtém renda de atividade diversa da relação sexual paga, ela não é considerada prostituta. Tal distinção não é meramente conceitual. Ela foi necessária na instituição da prostituição legalizada no Japão feudal.

Com paz interna, a vida urbana no Japão floresceu graças à estabilidade e ao sankin-kõtai (presença alternada), sistema criado em 1635 pelo governo que obrigava os daimyõs (senhores feudais das províncias) e seus samurais a morar em Edo (atual Tóquio) por alguns meses. Com hordas de daimyõs e samurais indo e vindo pelo país, vilas e cidades se prepararam para fornecer produtos e serviços aos viajantes e o comércio prosperou. Éditos do xógun passaram a impor rigorosa organização nas cidades, intervindo até em aspectos dos mais particulares da vida civil.

No Japão feudal, casamentos eram arranjos de interesses entre famílias, e não uniões por amor. Assim, a maioria dos homens considerava que sexo com as esposas era "por dever", ou seja, para procriação e preservamento da família ou clã. Sexo com prostitutas, por outro lado, era "por prazer", ou seja, sem responsabilidades. Não tendo as próprias religiões locais (o budismo e o xintoísmo) fortes restrições ao sexo comparadas às religiões ocidentais (de base judaico-cristã), a tolerância à prostituição era grande na sociedade feudal japonesa. Longe de casa e das esposas, samurais ávidos por diversão invadiam as cidades. Assim, foram criados os "bairros do prazer", onde se concentravam teatros, restaurantes, pensões - e os bordéis. Concentrados, até cercados com muros e portões, as autoridades tinham mais controle sobre tais bairros, seja sob o caráter repressivo, seja sob o tributário. Enquanto não legalizada, a prostituição nada rendia ao poder público, mas criando bordéis oficiais a atividade passou a ser lucrativa também para o governo.

As profissionais do sexo, genericamente chamadas de jorõ (prostituta, cortesã), passaram a ser obrigadas a morar em bordéis, que passaram a ser administrados como pequenas empresas e onde havia uma hierarquia interna. As mais jovens eram chamadas de yûjõ (mulher do prazer) e as mais experientes eram as oiran ou age-jorõ, que eram letradas e eram responsáveis pela organização e administração do bordel. As age-jorõ eram acima de tudo versadas nas chamadas "artes do sexo", que mantinham como um conhecimento secreto e exclusivo. Há registros de que uma prostituta, para chegar a age-jorõ precisava, por exemplo, conhecer as "48 posições do prazer", saber quais mariscos, peixes e raízes serviam de afrodisíacos, e como agradar um homem fingindo um convincente orgasmo (quanto mais homens ela pudesse atender em um dia, maior era o lucro, e para tanto ela precisava se preservar). Uma das técnicas secretas mais exóticas e chocantes era o seppun, o "ato sexual com a boca". Nós chamamos isso de beijo.

Mas é de conhecimento universal de que onde há regras, controle e cobrança de impostos, há também os que procuram meios de burlar o sistema. As mise-jorõ (prostituta de loja) normalmente eram serviçais em restaurantes e pensões, que patrões ofereciam aos clientes para favores sexuais como um "serviço por fora", conseqüentemente, livre de impostos. Como formalmente as mise-jorõ eram arrumadeiras ou garçonetes, elas não eram consideradas prostitutas, e assim não eram obrigadas a viver num bordel. Prostitutas que não queriam viver num bordel, ou sujeitar-se a um patrão-cafetão, arriscavam-se procurando clientes longe dos bairros do prazer. Uma característica das prostitutas de rua da época era uma esteira de palha, que elas carregavam enrolada debaixo do braço para rapidamente poder atender um cliente num lugar mais discreto ou no meio do mato. Podendo ser presas por prostituição ilegal, ao avistar um policial elas se apressavam a esconder ou livrar-se da esteira.

Vários bordéis oficiais no Japão feudal estavam longe de ser casas apertadas em vielas escuras, com cubículos espartanos e sujos. Eram limpos, espaçosos, agradáveis; alguns até tinham estrutura para promover banquetes. Era mantendo tal atmosfera que as prostitutas procuravam atrair uma clientela grande e freqüente, e para entreter os clientes também chamavam gueixas - homens e mulheres - para tocar, dançar e cantar. Embora as yûjõ e as jorõ fossem o principal motivo da presença da clientela e fossem as "donas da casa", eventualmente um ou outro cliente acabava se interessando pela - ou pelo - gueixa, o que obviamente criava rivalidade entre prostitutas e gueixas. Além disso, enquanto as prostitutas eram obrigadas a morar em bordéis seguindo regras de hierarquia e não podiam deixar os limites dos bairros do prazer (para evitar que saíssem, elas só podiam andar nas ruas escoltadas), os e as gueixas não sofriam tais restrições. Tais fatores causavam um tipo de "concorrência desleal", e por isso as prostitutas faziam segredo de seu arsenal de técnicas erotizantes. A situação entre gueixas e prostitutas só se tornou mais definida a partir de 1779, quando um decreto do governo reconheceu a profissão de gueixa.